domingo, 25 de dezembro de 2011

Rabiscos irritantes

Antes que perca a coragem, deixa-me ler-te esta mensagem que escrevi num pedaço de papel, amarelado e amarrotado, com cheiro a tabaco. Não é o papel que importa, nem as pequenas letras que lá esgatanhei com tinta preta. Nem mesmo a caligrafia desconcertante de que infelizmente nunca me hei-de livrar. Preocupa-te em ler as trezentas verdades que te escrevi aí e as quinhentas mentiras que apaguei com mais tinta só para não ficarem mal e porque eu sou honesto. Tenta tirar delas algum significado porque eu nem sempre aqui estarei.

Tens tanta sorte de não te espetar com o meu ferrão venenoso com que já espetei tanta gente, de não estares presa nas minhas garras. E o quanto eu gostava que estivesses. Caminha para mim, porque és perfeita, e vem depressa porque eu estou farto de lentidão. Quero explodir todo o veneno que há em mim, mas preciso de alguém imune. Quero ter o controlo das brasas que piso descalço, para que os meus pés não ardam e que a minha pele não queime lentamente as células sensíveis. Não há lugar para mais sensibilidade, felicidade ou destreza mental.

Mas ainda há esperança para nós, os seres com a face mais horrenda e com as entranhas mais frágeis. Estás atrasada, mas eu mando o relógio parar porque o tempo é nosso e surfamos nele até às horas que quisermos. O mundo pertence-nos. Como eu queria tanto tirar todo esse peso das costas. Porque é que me pertence a mim, esse bicho nojento? Porque me quer foder, já me fodeu.

Segue as minhas ordens e põe-te em posição, não estejas triste porque as lágrimas são minhas e eu não tenho pena de ti. Só te peço para preencheres o vazio que o vento empurra na minha direccção. Toda a gente se põe atrás de mim e eu, contente, deixo com franqueza e abro os braços ao meu destino: recebê-lo com prazer, sorrir e dar-lhe as boas vindas enquanto me chicoteiam as costas já feridas de facas. Lavam-me as feridas para haver espaço para mais uma facada, num sítio onde eu sinta bem. A minha boca está cerrada e assim permanecerá porque um adesivo colou-a há já tanto tempo que é ela se tornou parte de mim.

Não lhes sigas o exemplo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Acabemos com isto

Obrigado por tudo
E pelo teu grito agudo
antes do fim

Um segredo discreto
De um beijo concreto
Que me roubaste a mim

Já não o tenho
Esse pequeno engenho
A que chamas amor

Fiquei ser par
E nunca soube dançar
A valsa maior

Fico cá bem atrás,
Já não sou capaz
De me reconhecer

Quando me olho ao espelho
Vejo um vazio vermelho
Que te costumava aquecer

Já não sou eu que tenho
O casaco castanho
Que roubaste para mim

Naquela noite gelada
De meia palavra falada
Em que gritámos no fim

No calor das mantas
Estás triste, mas cantas
Enquanto eu me visto

Não tenhas medo
Todo eu sou um segredo
Então, acabemos com isto





segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor...

Hoje, deixo-vos com Eugénio de Andrade e não com um texto meu...

"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos,

gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco mas é verdade, uns olhos como todos os outros. Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus."

Eugénio de Andrade

domingo, 21 de agosto de 2011

Casa

Tijolo, argamassa, cimento, tinta, madeira, ferro. Nada disto chega para construir uma casa. Uma casa onde possas pertencer, onde te sintas bem. Porque a tua casa é onde tu quiseres estar mais, seja com quem for. Não é ninguém nem lugar nenhum e não tem sítio definido enquanto não te souberes definir.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Era uma vez

Era uma vez uma história. Todas as histórias que se prezem começam com 'era uma vez'. 'Era uma vez' em que eu era feliz. Essa história acabou de começar e é contada na primeira pessoa. Junta todas as cores do mundo. Vermelho do sangue que corre nas nossas vidas e nas nossas veias. Verde da relva que pisamos descalços e dançamos ao som dos nossos próprios lábios. Azul do mar que perseguimos mas que nos foge escondendo-se num céu ainda mais infinito. Branco dos prédios à nossa volta, a grandiosa selva de betão que abraçamos porque é agora a nossa casa. Preto da noite onde podemos ser nós próprios, fugir do mundo e libertar o alter-ego que anseia por ti. Castanho da árvore onde nos tornámos imortais, a velha figueira que se despe no Inverno.

A nossa carne e os nossos ossos são os protagonistas, manipulados constantemente por dois cérebros perversos que não conseguem parar de sorrir quando se encontram. Correm líquidos por toda a parte. A água onde nos banhamos e o vinho que bebemos. Todas as histórias têm um cenário, menos esta. Esta passa-se num sítio onde as piranhas engolem ursos e onde tu não me podes encontrar a não ser que eu te sussurre ao ouvido 'Vem comigo'. A luz do Sol, das outras estrelas, reflectida nos planetas onde viajamos de mão dada e que descobrimos a cada dia. A Lua que descansa o coração do Sol e nos dá uma parte dele sem ele saber. Nós acenamos e agradecemos. Está cheio de acções nossas, minhas tuas, de sorrisos, de toques, de olhares ainda tímidos, de silêncios aconchegantes e de arrepios desconcertantes. Mas não temos frio, nem calor. Temos sim uma grande fome de saber e uma ainda maior sede de aprender. Queremos aprender quem somos, o que nos torna reais, o que nos separa e torna diferentes e o que nos une, para além de sermos apenas nós e de termos uma vontade de viver que chega quase a fazer-te corar. Quiseste ver-me por dentro e eu deixei porque não tenho segredos nem fachadas, porque sou apenas eu.

Portanto não tenhas pressa, eu tenho tempo e tu tens muito mais do que eu. A que horas queres que te vá buscar? A história é nossa, somos nós que a escrevemos e os erros ortográficos não existem porque nós escrevemos com os olhos, com os ouvidos, com o nariz, com os dedos, com a boca, mas sobretudo com o Coração.

domingo, 29 de maio de 2011

Para a frente

No futuro vou fazer história e vou fazer o que quiser, o que me der na gana. E vou fazê-lo por mim, não por mais ninguém. Vou escrever o meu nome no fundo do Oceano Índico, tirar fotos à lula gigante e abraçar um urso polar. Vou ao topo do Evareste e vou continuar com tanto para dar. Aos monges do Nepal, aos aborígenes australianos e a mim mesmo. E tu vais continuar a ser tu, essa versão de ti que eu nunca conheci e vais ser feliz a sê-lo.

Mas vou sempre em frente, sem palas nem cintos de segurança disposto a errar se tiver de o fazer. Não é o único caminho, é verdade e o passado é um bom sítio para visitar mas não muito bom para se viver. Quero viver longe daqui, na Austrália, ser mordido por cobras e aranhas. Na Suécia, num iglô. Quero descobrir-me, em todos os contextos, com todas as pessoas, tanto para amadurecer, tanto para viver. Passa-me a garrafa, preciso de um trago, ou dois, talvez três, os que quiseres.

Mas desta vez não ma voltas a tirar, vou ser eu quem decide o que é melhor para mim, vou ser eu próprio, sem fachadas, sem medos nem ressentimentos. Vou para a frente, para a frente da guerra, mas desta vez não vou apaziguar as hostes, vou combater contra ambas as partes e lutar para sobreviver. Vou para a frente, pensar como um homem de acção e agir como um homem que pensa. Mas não vou pensar muito, porque não serve de nada, não nos trás o que queremos. Só temos o que queremos quando nos mexemos e fazemos algo para o conseguir, mesmo que às vezes nos apontem um revólver à testa e nos digam para parar. Estão apenas a testar a nossa coragem. Não importa para onde vou, para onde me levam, porque vou para a frente, vou ser o primeiro, vou triunfar e vou amar cada segundo dessa vitória enquanto a celebro como um rei no seu aniversário. Já não preciso mais de estar sozinho, meia dúzia de capangas fazem falta e tornam-me completo como mais ninguém consegue nem pode conseguir.

Se há algo que precisam de saber, que eu preciso de saber, é que não vou voltar atrás, amiga, anda, vem beber comigo, faz o que te digo, vais ficar bem. Tens coisas más presas nessa cabeça, vomita-as e olha para as estrelas, talvez quando olhares para o lado, enquanto mantiveres as tuas mãos no ar e gritares, eu estarei ao teu lado, a guardar as coisas boas de que te esqueceste. Talvez me sente na relva ao teu lado, te ponha o braço no ombro e fiquemos assim a conversar silenciosamente por horas a fio, a viver cada segundo, ou talvez gritemos juntos, corremos juntos, dancemos juntos, amemos juntos. Talvez não façamos nada disto, porque eu não te quero ou porque me queres de mais. Agora ninguém me pode prender, eu deitei fora as algemas, nem eu me posso prender com palavras e passividade. És uma agulha num palheiro, mas eu sempre gostei de feno e não tardarei em te encontrar, quando menos esperar. Sei que és pontiaguda e afiada, mas também sei que não me vais picar.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sem fachadas

Já não há disfarces, capas nem mantos a cobrir-me. O Sol bate-me na cara com toda a pujança e eu apenas fecho os olhos para não me cegar, enquanto esboço um esgar trocista. Sorrio apenas porque tenho razões para o fazer. Sinto-me tão egoísta, escolhi ser livre. Sorrio também porque não conseguiste o que querias e eu fui mais forte do que imaginaste e porque esta brisa quente que me afaga o rosto tem um sabor fresco. Habituado a ser livre, precisava apenas de me encontrar, nada me faz falta. Agora posso ser eu, mostrar-te quem sou e o que quero e não preciso que me olhes com pena. Lavaste-te nas minhas lágrimas, mas esqueceste-te de que elas são salgadas, riste-te dos meus sonhos mas ficaste em terra, choraste pela minha solidão mas nunca percebeste que eras tu a razão. O monstro que falavas, nunca o vi, porque nunca te mostraste e cuspiste-me quando te soube mal.

Não estou aqui, nem ali, estou em todo o lado, vou andando, sempre andando, por onde tiver de andar e posso até encontrar-te a meio do meu caminho mas os meus olhos jamais cruzarão os teus. Passo a passo, vou andando, subindo as escadas; não estou sozinho, nunca estive nem estarei. Tenho-me a mim próprio e a força de mil homens que caminham comigo de braço dado, mãos no ombro e uma vontade impenetrável. Um grito, já dei, mas não te matei porque não te disse nada quando te passei por cima.

Sem fachadas, aqui estou eu, despido de roupas e preconceitos, acessórios e estereótipos, vamos ser apenas nós? Criaturas belas que se cativam uma à outra. Ainda tens tanto para sentir, ainda tenho tanto para te ensinar. Esvoacemos despidos, com os cabelos ao Sol, abrace-mo-nos mas apenas por instantes porque está muito calor. Beijemo-nos até que o tempo o permita. Pela praia, pelo campo, pela cidade, pelo jardim, pelo apartamento, pelo sofá, pelo passeio, pela varanda. Não sei o que pretendes, nem o que pretendo, mas de uma coisa estou certo: não preciso de disfarces para amar e viver, portanto podes vir de mansinho que eu eu vou estar à tua espera.