domingo, 15 de abril de 2012

Silêncio

Magoa e fere a fera. Ter medo do silêncio é muito pior do que ter medo que ele não exista. Todos nós precisamos dele, mas apenas alguns o acham inconveniente e tortuoso. A pior tortura é o silêncio interior. Calares-te, parares, conteres a respiração e não sentires nada: como se não estivesse nada vivo. Nem ouvires o coração bater. Dá-me medo. Consigo aguentá-lo durante algum tempo, depois ele prolonga-se e vai-me torturando até que encontre ruído. Encho o silêncio de música, de vozes, de risos, de gritos. Encho o vazio com orgulho, com enganos que vou sentindo, com falsas modéstias, mas as lágrimas não são de crocodilo. Encho-o, sem nunca despejar. Vou enchendo, enchendo até se tornar demasiado grande e transbordar. Ainda não transbordei, mas o sal no canto do olho vai secando às escuras, enquanto o vento arranha as maçãs do rosto como aquela estalada que nunca levei e devia ter levado.

A fera aprisionada na jaula silenciosa, demente, vai grunhindo de dor e de súplica, para acabarem com a sua miséria. Mas a tortura entretém-nos, fá-los rir, porque foi ela que escolheu fechar-se. Era confortável, cómoda e conseguia dormir tranquilamente. A fera esqueceu por momentos a sua génese furiosa e violenta e foi o suficiente para perder os sentidos e a noção de como se caça uma presa do jeito que outrora fazia. Já não tem força nem para matar um pequeno roedor. As suas patas estão moles e a falta de confiança toma conta de si. Torna-se fraco e ciente disso. Precisa de comer e de ruído. Precisa que o sufoquem com barulho, para rugir bem alto e deixar de ser a presa de falsos predadores.