quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Reptilia.

Caí das escadas abaixo e acordei com um olho inchado de sangue. Fiquei pisado pela madeira maciça que me atraiçoou. A minha carne levantou-se com vigor e deixou para trás uma pequena alma penada. Ficou a fazer companhia à minha sombra que, bem lá no fundo sempre precisou de um companheiro para as noites mais frias. A minha companhia é mesmo o áspero frio da noite húmida em que estou. Húmida como uma gaivota, sente o mar, mas nunca se molha. O frio nunca é problema porque aguça o pensamento, até dos cérebros mais perguiçosos. O sangue verde corre-me nas veias e faz-me correr pelas paredes em busca de algo que nunca sei se vou encontrar. Para trás deixo partes de mim. Sem arrependimentos, consigo recuperar sempre e tornar-me mais forte. O meu lado viscoso é algo a que me habituei. A cola que me sai dos dedos e arrepia toda a gente em quem toco faz de mim o alvo de muitas solas. Poucas oportunidades me foram dadas. Poucos sabem que sou eu quem aterroriza as noites de quem lhes quer mal. Mas quando eu crescer vão ver os caninos que me crescem na frente da boca e o quão forte é a minha mandíbula.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Físico-química

O magnetismo físico da distância que nos separa mantém uma tensão que ainda não percebi para que serve. Quero o teu calor, o teu suor, mas as ondas cerebrais fazem as minhas mãos tremer e a minha voz fraquejar. Impedem-me de te tocar, de deixar que me toques como eu bem sei que gostavas. A física não deixa soltar a química que nos molha com calor. Há duas partes que puxam em direções opostas e me cortam ao meio como uma lâmina de serra. Como se tivesse de escolher entre ser racional e impulsivo. O tempo passa, e a faca vai serrando o meu tronco ao meio. Um dia tentei espreitar e ver quem a segurava e pareceu-me ver um rosto conhecido. Um rosto querido, bonito e as maçãs bem cuidadas, bem rosadas. Só podias ser tu. Esta é uma guerra que eu nunca vou ganhar, porque sou lento e não consigo tomar decisões. Tu precisas de ter pelo menos uma das metades, mas eu só vou a algum lado se for inteiro. Não penses que me podes partir e levar para casa. Leva-me so para casa, se conseguires.

Sei que não vais conseguir, a gravidade mantém-nos afastados, por precaução. O que me podes fazer de bom não compensa o enorme risco que seria se explodisses comigo da forma como bem sabes. Uma explosão que pode ser o fim de alguém tão sensível quanto eu. Era tudo tão fácil quando os patamares eram os mesmos, não havia jogos nem brincadeiras. Tudo o que era dito era ouvido e não havia moedas de troca. Espero que percebas que a janela de oportunidades está cada vez mais reduzida. agora e o teu fim, por favor nao me puxes nem me digas para nadar no teu mar, os teus tentáculos iam agarrar-me para sempre. Não nos expludas, fica bem quieta. Só te podes mexer quando eu te sussurrar ao ouvido: 'Vem'.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Frágil

Dizia alguém que o braço no ombro é o melhor amigo da solidão. Mas se achas que consegues distinguir o que está errado do que te faz feliz estás enganado. As árvores aqui são impossíveis de subir, mesmo para macacos como tu. Podes grunhir à vontade: não serás feliz porque és o único da tua espécie. O último macaco que não imita nem come bananas.

Quando achas que és o rei da selva, passam-te a perna, fazem de ti o bobo da corte e passas a comer apenas amendoins. Tens de catar os teus próprios piolhos, parasitas. Mas deixas de ter uma alma perdida, encontra-la no fundo de um aquário por causa da tua curiosidade. Os sonhos, nunca os deixas dormir, vão contigo para todo o lado. Mas és frágil, pequeno e inofensivo. Deixa de te armar em grande, aceita quem és.  

Não tenhas medo, um dia vais crescer e dar medo a todos aqueles que agora te espezinham. De frágil, vais passar a astuto, e aí... ninguém te pisa.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Escondido num recanto passa um dia. Já sem tarefas para cumprir, um nada submerge os sentidos. Inunda o  coração de um nada que veio para ficar. Um vácuo infinito que cega, e oculta tudo. Preenche-te sem dar tempo para defesa. É a imensa nublina negra que escurece a massa cinzenta e que proíbe o queixo de se erguer. Que prega os pés ensanguentados ao chão e amarra os braços atrás das costas. O silêncio, a solidão.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Animalização

Uma horde de cavalos passeia-se antes de passares. Mas a presença destas criaturas que consideras tão majestosas não se deve apenas à beleza. Há todo um espectro que eles representam. Cada um deles representa um pouco de ti. Tranquilidade, Liderança, Humildade, Confiança, Coragem. Atrás vens tu, a segurar-lhes nas rédeas com uma pega apertada, para não os deixares fugir. Há medida que passas, as pessoas param o que estão a fazer e contemplam o maior espetáculo que alguma vez viram. Os cavalos encantam-nas e elas ficam quase com vontade de deitar tudo a perder e de os seguir... de te seguir.

Mas se a beleza dos cavalos gera uma admiração, gera também inveja. E há pessoas que te rachariam o crânio se pudessem, arrancavam a cabeça a cada um dos teus belos cavalos. Sabes bem o que vale cada um deles, estão bem cuidados, usados, em forma. São eles que protegem a tua graciosidade interior. São eles que evitam que caias no abismo. Foges dos caminhos com gente, afastas-te, mas assim que avistas alguém, os cavalos começam a relinchar, para desviar as atenções de ti.

Mas nem sempre resulta. A inveja transforma-se em matilhas de lobos que corrrem ao lado dos teus cavalos e lhes mordem as pernas. São muito mais fortes que as majestosas criaturas que dominas. Cada um que é abatido é um parte de ti que corre, que morre. Já não tens muitos.. nunca pensaste em mudar de estratégia?

Porque é que tens de andar sempre a correr? Nunca te conheci sem que estivesses em movimento. Vais-me dizer que não sabes como o fazer e tens um orgulho cavalar que te impede de pedir ajudar. Mas está na altura de pendurares a sela e a rosnar aos lobos. É que eles só reagem àquilo que mexe. Se estiveres quieta, bem parada, nada de mal te vai acontecer. Confia em mim.

domingo, 12 de agosto de 2012

Vamos a isto

Um passado trémulo de memórias e rico em virtudes aviva a esperança de um futuro promissor. Quem sabe dê para levar uma estalada de ar fresco na cara. Ideias frescas, criações frescas. Mas os tímpanos explodem com a densidade dos batimentos cardíacos que vibram por cada centímetro do teu corpo. Agarras-te aos ouvidos e ao coração, porque estão ligados. Nem assim consegues evitar uma queda de trezentos metros mentais. Cais, mas levantas-te zonza e a marchar em direcção àquilo que identificas como futuro. Não sabes do que se trata mas atrai-te. Põe-te a mexer, desperta em ti arrepios molhados na pele seca. Queima-te a língua como água a ferver. Deixa-te desperta, atenta ao perigo. Assim que dás um passo em falso, és apanhada e quando não és sentes-te uma canalha sorridente mais feliz que o Zé do Telhado.

É assim que te sentes? Sacaneada pela vida, iludida por fantasmas do passado e perseguidora de incógnitas do futuro? Então fica sentada, não te mexas, não faças nada, que o mundo faz o favor de se transformar num cubículo gigante, forrado com paredes brancas, que te isolam. A cela que criaste vai-se tornando mais pequena e mais confortável, até que se ajusta às tuas medidas. A única forma de saíres é se alguém te puxar para fora. Mas isso seria desconcertante, desconfortável e descabido. Na verdade, a escolha foi tua, e agarras-te ao chão, fazes feridas de agonia nas pontas dos dedos. Não de dor, mais de impaciência. Para quando a leitura da sentença?

Acorda dessa hipnose intelectual. Desperta desse sono consciente. Estás sempre a tempo de te descalçar da penúria. De rasgar as olheiras de sofrimento e de sorrir. Sorrir apenas. Sorri para mim, por favor. Quero ver e quero que sejas tua e minha. Que nunca me deixes, só quando quiseres. E que queiras muito.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A persistência da memória

Apareceste de mansinho, por baixo das mantas e não me aqueceste apenas os pés. A tua mão fria e delgada provocava o meu peito enquanto esboçavas um sorriso maroto e me chamavas de herói. Eu sorria de volta no maior dos fingimentos. As minhas mãos pararam de tremer, consegui abrir a boca para me calar e deixei-te deitada enquanto me ia embora.

Dizem que o tempo cura todas as feridas. Nunca acredito nisto porque a nossa memória funciona como uma espada que me espeta contra a parede à tua frente. E continua a espetar a espetar até que o tempo não tem outra alternativa senão abrir a ferida. Apetece-me fugir de ti, de tudo, da merda que fizeste e da que estás pra fazer, tenho de escapar desta memória persistente que insiste em nunca parar de me recordar do que eu não quero. Quero sentir na pele aquilo que está para vir, soltar esta dor porque sou eu a dizer a última palavra. Questões sobrenaturais, metafísicas das quais tu não tens nada a dizer.

Vai-te.