terça-feira, 6 de novembro de 2012

Frágil

Dizia alguém que o braço no ombro é o melhor amigo da solidão. Mas se achas que consegues distinguir o que está errado do que te faz feliz estás enganado. As árvores aqui são impossíveis de subir, mesmo para macacos como tu. Podes grunhir à vontade: não serás feliz porque és o único da tua espécie. O último macaco que não imita nem come bananas.

Quando achas que és o rei da selva, passam-te a perna, fazem de ti o bobo da corte e passas a comer apenas amendoins. Tens de catar os teus próprios piolhos, parasitas. Mas deixas de ter uma alma perdida, encontra-la no fundo de um aquário por causa da tua curiosidade. Os sonhos, nunca os deixas dormir, vão contigo para todo o lado. Mas és frágil, pequeno e inofensivo. Deixa de te armar em grande, aceita quem és.  

Não tenhas medo, um dia vais crescer e dar medo a todos aqueles que agora te espezinham. De frágil, vais passar a astuto, e aí... ninguém te pisa.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Escondido num recanto passa um dia. Já sem tarefas para cumprir, um nada submerge os sentidos. Inunda o  coração de um nada que veio para ficar. Um vácuo infinito que cega, e oculta tudo. Preenche-te sem dar tempo para defesa. É a imensa nublina negra que escurece a massa cinzenta e que proíbe o queixo de se erguer. Que prega os pés ensanguentados ao chão e amarra os braços atrás das costas. O silêncio, a solidão.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Animalização

Uma horde de cavalos passeia-se antes de passares. Mas a presença destas criaturas que consideras tão majestosas não se deve apenas à beleza. Há todo um espectro que eles representam. Cada um deles representa um pouco de ti. Tranquilidade, Liderança, Humildade, Confiança, Coragem. Atrás vens tu, a segurar-lhes nas rédeas com uma pega apertada, para não os deixares fugir. Há medida que passas, as pessoas param o que estão a fazer e contemplam o maior espetáculo que alguma vez viram. Os cavalos encantam-nas e elas ficam quase com vontade de deitar tudo a perder e de os seguir... de te seguir.

Mas se a beleza dos cavalos gera uma admiração, gera também inveja. E há pessoas que te rachariam o crânio se pudessem, arrancavam a cabeça a cada um dos teus belos cavalos. Sabes bem o que vale cada um deles, estão bem cuidados, usados, em forma. São eles que protegem a tua graciosidade interior. São eles que evitam que caias no abismo. Foges dos caminhos com gente, afastas-te, mas assim que avistas alguém, os cavalos começam a relinchar, para desviar as atenções de ti.

Mas nem sempre resulta. A inveja transforma-se em matilhas de lobos que corrrem ao lado dos teus cavalos e lhes mordem as pernas. São muito mais fortes que as majestosas criaturas que dominas. Cada um que é abatido é um parte de ti que corre, que morre. Já não tens muitos.. nunca pensaste em mudar de estratégia?

Porque é que tens de andar sempre a correr? Nunca te conheci sem que estivesses em movimento. Vais-me dizer que não sabes como o fazer e tens um orgulho cavalar que te impede de pedir ajudar. Mas está na altura de pendurares a sela e a rosnar aos lobos. É que eles só reagem àquilo que mexe. Se estiveres quieta, bem parada, nada de mal te vai acontecer. Confia em mim.

domingo, 12 de agosto de 2012

Vamos a isto

Um passado trémulo de memórias e rico em virtudes aviva a esperança de um futuro promissor. Quem sabe dê para levar uma estalada de ar fresco na cara. Ideias frescas, criações frescas. Mas os tímpanos explodem com a densidade dos batimentos cardíacos que vibram por cada centímetro do teu corpo. Agarras-te aos ouvidos e ao coração, porque estão ligados. Nem assim consegues evitar uma queda de trezentos metros mentais. Cais, mas levantas-te zonza e a marchar em direcção àquilo que identificas como futuro. Não sabes do que se trata mas atrai-te. Põe-te a mexer, desperta em ti arrepios molhados na pele seca. Queima-te a língua como água a ferver. Deixa-te desperta, atenta ao perigo. Assim que dás um passo em falso, és apanhada e quando não és sentes-te uma canalha sorridente mais feliz que o Zé do Telhado.

É assim que te sentes? Sacaneada pela vida, iludida por fantasmas do passado e perseguidora de incógnitas do futuro? Então fica sentada, não te mexas, não faças nada, que o mundo faz o favor de se transformar num cubículo gigante, forrado com paredes brancas, que te isolam. A cela que criaste vai-se tornando mais pequena e mais confortável, até que se ajusta às tuas medidas. A única forma de saíres é se alguém te puxar para fora. Mas isso seria desconcertante, desconfortável e descabido. Na verdade, a escolha foi tua, e agarras-te ao chão, fazes feridas de agonia nas pontas dos dedos. Não de dor, mais de impaciência. Para quando a leitura da sentença?

Acorda dessa hipnose intelectual. Desperta desse sono consciente. Estás sempre a tempo de te descalçar da penúria. De rasgar as olheiras de sofrimento e de sorrir. Sorrir apenas. Sorri para mim, por favor. Quero ver e quero que sejas tua e minha. Que nunca me deixes, só quando quiseres. E que queiras muito.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A persistência da memória

Apareceste de mansinho, por baixo das mantas e não me aqueceste apenas os pés. A tua mão fria e delgada provocava o meu peito enquanto esboçavas um sorriso maroto e me chamavas de herói. Eu sorria de volta no maior dos fingimentos. As minhas mãos pararam de tremer, consegui abrir a boca para me calar e deixei-te deitada enquanto me ia embora.

Dizem que o tempo cura todas as feridas. Nunca acredito nisto porque a nossa memória funciona como uma espada que me espeta contra a parede à tua frente. E continua a espetar a espetar até que o tempo não tem outra alternativa senão abrir a ferida. Apetece-me fugir de ti, de tudo, da merda que fizeste e da que estás pra fazer, tenho de escapar desta memória persistente que insiste em nunca parar de me recordar do que eu não quero. Quero sentir na pele aquilo que está para vir, soltar esta dor porque sou eu a dizer a última palavra. Questões sobrenaturais, metafísicas das quais tu não tens nada a dizer.

Vai-te.

domingo, 15 de abril de 2012

Silêncio

Magoa e fere a fera. Ter medo do silêncio é muito pior do que ter medo que ele não exista. Todos nós precisamos dele, mas apenas alguns o acham inconveniente e tortuoso. A pior tortura é o silêncio interior. Calares-te, parares, conteres a respiração e não sentires nada: como se não estivesse nada vivo. Nem ouvires o coração bater. Dá-me medo. Consigo aguentá-lo durante algum tempo, depois ele prolonga-se e vai-me torturando até que encontre ruído. Encho o silêncio de música, de vozes, de risos, de gritos. Encho o vazio com orgulho, com enganos que vou sentindo, com falsas modéstias, mas as lágrimas não são de crocodilo. Encho-o, sem nunca despejar. Vou enchendo, enchendo até se tornar demasiado grande e transbordar. Ainda não transbordei, mas o sal no canto do olho vai secando às escuras, enquanto o vento arranha as maçãs do rosto como aquela estalada que nunca levei e devia ter levado.

A fera aprisionada na jaula silenciosa, demente, vai grunhindo de dor e de súplica, para acabarem com a sua miséria. Mas a tortura entretém-nos, fá-los rir, porque foi ela que escolheu fechar-se. Era confortável, cómoda e conseguia dormir tranquilamente. A fera esqueceu por momentos a sua génese furiosa e violenta e foi o suficiente para perder os sentidos e a noção de como se caça uma presa do jeito que outrora fazia. Já não tem força nem para matar um pequeno roedor. As suas patas estão moles e a falta de confiança toma conta de si. Torna-se fraco e ciente disso. Precisa de comer e de ruído. Precisa que o sufoquem com barulho, para rugir bem alto e deixar de ser a presa de falsos predadores.

domingo, 18 de março de 2012

Foragida

Desapareceste. Do meu mapa que anseia pelo teu retorno, da minha vista e do alcance do meu toque quente e húmido. Onde estás quando eu preciso mais? Que me afagues o cabelo e me sussurres ao ouvido. Onde estás quando o meu vazio precisa de ser preenchido pela tua presença, pela tua figura e pelo calor da luz dos teus olhos. Reflectem o Sol, como o céu.

Não te vejo porque te escondes. Escondes-te por entre os pingos de chuva e enfias a cabeça debaixo da areia ao sinal do meu incómodo. Eu tiro-te o conforto e apelo ao perigo, sou perigoso. Tu não tens medo, queres tanto quanto eu cair na minha rede e que eu te agarre para sempre. Sou arriscado, um risco que não sabes se podes correr porque nunca correste. Nunca correste ao lado de um unicórnio branco, depenado. Deste-te ao trabalho de o depenar para te certificares que ele não voava e no entanto... Tens medo de o montar, mesmo sabendo de todos os sítios onde ele te podia levar. Eu acho que tu sabes de tudo isto, tentas lutar contra a tua natureza que te prende à Terra Mãe e recusas-te a viajar no comboio para longe. Tens uma estaca que te prende e estás à espera que eu te solte. Diz-me onde está essa maldita, mostra-te. Se te escondes não consigo despedaçá-la e despedaço-nos aos dois. É isto que acontece quando duas criaturas feitas do mesmo se encontram contra todas as possibilidades. Aparece, quero-te libertar desse colete de forças que criaste em ti mesma, quero-me libertar de um sonho que sei que pode ser Liberdade. Agora é tarde para desistires, estás só a adiar o desfecho... porquê?

O cepticismo é fatal em questões do amor de algibeira e tu tem-lo de sobra. Livra-te dele e cairás quando tiveres de cair. Honrando uma promessa que fiz a mim mesmo e a quem lê o meu pensamento, "agora que estamos sós, vamos ser apenas nós". Nunca fez tanto sentido, mas ainda assim, tu recusas-te a oferecer-me a tua mão de bandeja. Nem eu a queria assim, quero-a fechada e trancada com chaves impossíveis de encontrar. Quero procurá-las enquanto te encontro. É irónico como o universo está cheio de estrelas, planetas e pessoas e no entanto foste tu quem eu escolhi, como se pudesse escolher. Não foi mais ninguém.

terça-feira, 13 de março de 2012

Caprichos

Quando menos parece é quando mais precisamos de uma pancada nas costas. Refugias-te na banalidade do dia-a-dia comum, nas coisas mundanas. É a única forma que tens de te misturar, de passares despercebido. Fazes coisas vulgares. Tornas-te vulgar. Pode ser bom, se não tiveres um lado sonhador adormecido. Aí terias de fazer muito pouco barulho para não o acordar, terias de te tornar silencioso e ter medo de ti próprio. Ter medo de não gostar daquilo que fosses quando te olhasses ao espelho, porque ias ver o mesmo, sempre o mesmo. Quem te manda ser assim? És tu próprio. Parte de ti dá valor ao confortável, e conforta-se no pensar que a estabilidade traz bons resultados. Até poderá trazer, mas traz dúvidas. Como é que vais saber se o teu futuro é mesmo este, como é que podes não te arrepender de não ter seguido outro caminho? Não arriscaste.

Eu quero arriscar, poder dizer que cruzei os meus erros com as minhas acções e que fiz aquilo que sentia necessário. Errar por minha própria culpa, se tiver de o fazer. O pior arrependimento é de não ter feito. "Não fiz, não senti, não te disse, não falei, não fui embora, não voltei para te buscar". Chamem-lhe caprichos, manias de quem sempre teve tudo e nunca teve nenhum verdadeiro desafio, para mim são caprichos. Caprichos de alguém com uma vontade enorme de mostrar a todos o que vale. Alguém que está farto de estar confortável, que quer arriscar e crescer.

Não prefiras o confortável nem tenhas medo de te perder nesta penumbra deliciosa. Fecha os olhos e abraça uma aventura que te pode levar onde nunca foste. O risco é um pequeno preço a pagar pelos três passos que dás ao mesmo tempo na vida que tens de aprender a viver. Caminha, corre, não estás sozinha. Se tiveres de cair, eu caio contigo. Dá-me a mão e NÃO TENHAS MEDO DE ARRISCAR, ninguém precisa de segurança.

sábado, 10 de março de 2012

Vamos dar uma volta

Sentados e embalados, seguimos o curso do rio que nos envenena. Envenena-nos por estar tão próximo, ser tão gracioso e ao mesmo tempo... não lhe podermos tocar. Toda a água desaparecia, era absorvida por nós e seríamos cúmplices de um crime sem culpados. Quando me tento levantar e penso que há riscos a correr, estico o meu braço e tento ancançá-lo. Magneticamente, o leito desvia-se de mim, dizendo-me para ter calma porque o percurso faz valer a pena.

Não aguento assim, sem saber qual é o destino, ainda falta muito? Não respondes, como é normal. Fechas-te nas tuas copas e sorris. Eu observo e estou magicamente obrigado a fazer-te a vontade, recolho a mão. Parte de mim acha que me acabaste de salvar de uma desgraça, mas a outra (corrosiva) diz-me que és tu a desgraça e que os extremos se podem e devem tocar.

Silenciosamente perguntei-te o que farias sem mim, na minha cabeça. Tentei imaginar-te a responder, sempre sem cruzar os olhares, talvez me dissesses para ir e ser feliz. Talvez soltasses uma lágrima que deixava um rasto de sal e um gosto agridoce, tal como tu. Para onde gostavas que eu fosse? Gostavas de ir comigo? Talvez fôssemos escalar montanhas ou talvez ficássemos num trono de madeira e tijolo. Aquele que tu adoptaste como se fosse teu. Rodeados de mantas que fazemos voar pelos ares, não precisávamos de sair daqui. Uma viagem está ao alcance de uma nuvem de fumo e de combustível a arder dentro de nós.

Uma viagem à terra de ninguém, uma terra que passa a ser nossa, mas apenas se quiseres vir. Estendo-te a mão, é este o barco em que queres seguir?

sexta-feira, 9 de março de 2012

Universo

Um misto de desilusões assola-me as ventas. Desilusões próprias e privadas. Um rasgão público daquilo que sou. Quando o nosso melhor não chega, quando nos tentamos convencer disso. Daquilo que nunca fui. Tentamos gastar o tempo que nos foi concedido a fazer algo que nos deixe meio alegres, que nos ocupe e nos entretenha. Temos objectivos definidos e gostamos de acreditar que a felicidade existe e depende deles. Temos de acreditar. Que seria de nós? Concentramo-nos tanto que nos esqueçemos que a cada esquina vive um canteiro pronto a desabrochar uma planta. Que a a cada pedra da calçada que pisamos com determinação se esconde uma formiga tímida. Esquecemo-nos do mundo e de nós. Mea culpa. Esqueço-me tantas vezes de que não sou infalível e de que a sorte nem sempre vai proteger os audazes. Que nem sempre sou audaz. Esqueço-me de olhar mais para mim e menos para aquilo que quero. Esqueço-me de equilibrar o exagero do romance com a eloquência de um sorriso bem esboçado. Esqueço-me de amar.

É o Universo que faz questão de tornar público estes esquecimentos enquanto me atira tudo de uma vez, para me manter os pés na terra. Tenho tão pouco que me esqueço de que não preciso de tanto. A Lei da gravidade diz-me para voltar às origens, enquanto o universo me empurra. Esqueço-me que não posso querer tudo de uma vez. Esqueço-me e desiludo-me. Saio da pequena bolha com que tentava cruzar a atmosfera. Quando ela rebenta eu aperto a mão ao Universo e apercebo-me que os homens não podem voar. Desiludo-me novamente quando aterro no sopé da colina, depois de ter alcançado o topo. Voltar ao topo levará o seu tempo, novamente.

Desiludo-me porque a solidão da minha sombra é fria e escura. Continua escura e só. Desiludo-me porque afinal, no fim de tudo, fui eu que assim escolhi sem me aperceber. Ainda estou a tempo de mudar? O Universo diz que sim, mas eu digo que não. Vais ter de me convencer do contrário, o jogo é a pares.